outubro 21, 2004

Jornal da Madeira 18-12-2002

Sessão de autógrafos na Livraria Notícias do Funchal - Ana Teresa Pereira com novos livros

Esta é uma oportunidade para se conhecer de forma esclarecida a obra de uma escritora que se impôs na literatura contemporânea portuguesa com uma vasta bibliografia, de quase vinte títulos, onde se incluem contos e romances.

A escritora madeirense que, nos últimos anos, maior projecção conquistou no espaço literário nacional, Ana Teresa Pereira, apresenta hoje ao seu público leitor dois títulos novos: um romance, “Intimações de Morte”, e um livro de crónicas, “O Ponto de Vista dos Demónios”. A apresentação será feita através da sessão de autógrafos agendada para as 17 horas, na Livraria Notícias do Funchal. Uma oportunidade para se conhecer de forma esclarecida a obra de uma escritora que se impôs na literatura contemporânea portuguesa com uma vasta bibliografia, de quase vinte títulos, onde se incluem contos e romances. Os livros agora publicados pela Relógio d’Água Editores inauguram a colecção de autor, o que confirma o talento e a criatividade da autora com outros reconhecimentos já expressos em várias recensões críticas e estudos vários.
Sobre os novos livros, Ana Teresa Pereira falou ao JORNAL da MADEIRA. Das vivências da escrita e da produção literária. Das suas motivações e interesses de leitura.

JORNAL da MADEIRA — “Intimações de Morte”, romance, porquê este título?
Ana Teresa Pereira — O título vem de uma frase de um pintor que admiro muito, Mark Rothko. É um pormenor de um dos seus quadros, em que dizia que, para criar, no caso dele pintar, um dos elementos fundamentais era intimação de morte; havia outros elementos, dez por cento de esperança, por exemplo... Mas sempre gostei desta expressão. Acho que a presença da morte é quase visível na criação, pelo menos na daqueles que se entregam totalmente àquilo que criam. É uma actividade que tem uma relação muito forte com a morte. No caso deste livro, também existe uma relação forte com a pintura, mencionam-se muitos quadros, galerias de arte; e as personagens vivem num mundo em que a literatura, a filosofia e a pintura têm papéis muito importantes; são personagens que tentam viver a vida como se fosse um mito e, dessa forma, manipulam a realidade e os outros, e tudo o que à sua volta contribua para aquele mito. São pessoas que constroem uma história, um mito próprio, e que acabam por ser muito conscientes da realidade exterior porque vivem desse mito, e tudo o que está à sua volta não tem grande importância como pessoa ou como realidade exterior.

JM — Este livro, por outro lado, tem referências filosóficas e situa-se em ambientes ingleses...
ATP — Este livro é o primeiro de dois que se passam em Londres e tem uma relação especial com a escritora e filósofa Iris Murdoch. São dedicados a esta autora, no sentido em que estou a trabalhar na sua filosofia; interessa-me muito os seus escritos sobre o amor e a arte. São temas deste romance e do que irá seguir-se. O próximo livro só existe na minha mente, mas os dois estão unidos pela figura de Iris Murdoch, pelas suas ideias, pelo universo, a sua relação com o mundo, a arte, com Deus e com o amor. De facto, na sua filosofia, o amor era fundamental; ela própria dizia que, se era especialista nalguma coisa, era no amor. E estes dois livros têm o amor como um dos temas centrais.
Neste primeiro livro, “Intimações de Morte”, será um amor um bocado falso, um amor em que falta a tranquilidade, porque o lugar onde vivo, que era tranquilo para o trabalho intelectual, tornou-se impossível devido a um péssimo ambiente que se criou nos arredores. A impressão que tenho deste ano, embora tenha por estes livros o mesmo amor e paixão, não posso deixar de perguntar a mim própria se estes livros não seriam muito melhores se tivesse tido a necessária tranquilidade. De qualquer modo, espero que tenham sobrevivido às situações difíceis em que foram trabalhados.

JM — O próximo romance, já disse, irá respirar o espírito de Londres...
ATP — Acho que as minhas personagens ficam bem na Inglaterra. Londres é uma cidade de que gosto imenso, que tem tudo a ver com o meu mundo interior. Cresci a ler livros de língua inglesa, ou seja, Londres existia em mim muito antes de conhecer a cidade. Faz parte do meu imaginário desde criança. E dá-me um especial prazer escrever um romance passado em Londres, nos campos ingleses... Acho que as personagens se sintonizam bem com a cultura e com a literatura inglesas.

JM — Existe algum interesse em transmitir uma certa mensagem?
ATP — Não. Os livros formam-se por si. O autor tem um certo papel, mas o livro tem existência própria e o único dever do escritor é escrever o melhor possível. O escritor não tem de ficar a pensar em transmitir mensagens. Se os livros acabam por transmitir uma visão do mundo que é a minha e que espero que seja uma visão profunda, muito próxima da realidade, espero apenas que os leitores sintam essa proximidade e possam compartilhar essa visão. Quando estou a escrever, o que me interessa é o livro. Depois, aquilo que o livro faz com os leitores é algo que não me diz respeito. A minha relação é com o livro, não directamente com o leitor.

Resta acrescentar que Ana Teresa Pereira, ainda em relação ao seu trabalho deste ano, acaba de integrar a “Antologia do Conto Português”, organizada por João de Melo e publicada também em Espanha, ao lado de grandes nomes da literatura de todos os tempos.


Vera Luza